Neva – Um ciclo de paternidade em um mundo pintado com sentimento | Análise
Na medida certa para uma experiência emocionante e profundamente pessoais.
Analisado no PlayStation 5
Desde que os jogos começaram a explorar temas mais introspectivos, como o ciclo da vida, a paternidade (no qual eu vivo esse momento) e o crescimento, vimos uma leva de experiências emocionantes e profundamente pessoais. Neva, desenvolvido pelo Nomada Studio (o mesmo de Gris), é um desses jogos que, com uma beleza imersiva e uma narrativa sensível, vai ao encontro de uma abordagem metafórica sobre a responsabilidade e o cuidado que vem com o passar dos anos.
Inspirado por experiências pessoais de seus criadores e influenciado por diversas referências dos jogos e da cultura pop, Neva traz consigo uma mistura única de estilos e emoções. Mas será que todo esse conteúdo é o suficiente para torná-lo um jogo memorável? Nesta análise, eu vou passar por cada aspecto do jogo e ver se Neva realmente cumpre sua promessa de ser mais do que uma obra visualmente linda e convido a você para ler até o final esse texto.
Como característica maior da Nomada Studio, a narrativa de Neva é delicada e tocante, com uma clara inspiração no ciclo da vida e na paternidade/maternidade. A protagonista, Alba, assume o papel de protetora de Neva, uma criatura que se torna ao mesmo tempo sua responsabilidade e companheira. Ao longo do jogo, passamos pelas quatro estações do ano — com certeza uma metáfora bem sutil para as fases da vida — enquanto assistimos ao crescimento da relação entre Alba e Neva.
Como divulgado pelo estúdio, a inspiração para a história veio da experiência pessoal dos desenvolvedores, que se viram, como muitos de nós, cuidando de uma geração mais nova enquanto ainda tinham pais para cuidar. Essa reflexão íntima resulta em uma narrativa comovente, e o jogo trata com sensibilidade esse ciclo de dependência e amadurecimento, evitando cair em um sentimentalismo exagerado. A jornada de Alba e Neva faz uma abordagem única sobre o peso e a beleza da responsabilidade, especialmente quando a trama entra nas fases mais sombrias, como o inverno, trazendo sentimentos como o de perda e nostalgia.
A jogabilidade de Neva é composta principalmente de plataformas e quebra-cabeças, mas é a maneira como esses elementos são integrados ao tema do jogo que realmente se destaca. Os quebra-cabeças começam de forma simples, geralmente exigindo apenas que Alba e Neva naveguem pelo ambiente de maneira intuitiva. Entretanto, conforme avançamos para o “outono” da vida de Neva, os desafios ficam mais intrincados, exigindo raciocínio espacial e o uso habilidoso das mecânicas de dash e salto duplo.
Essas habilidades de movimento, ao serem aplicadas em sequência, como dash após salto ou salto-duplo para escapar de um obstáculo, criam uma fluidez que eleva a jogabilidade além da simples resolução de desafios. Essa liberdade nas combinações de movimento oferece um controle que, embora possa ser exigente em certos momentos, é profundamente satisfatório quando bem dominado. O jogo é curto, mas a transição de mecânicas reflete bem a evolução de Neva e Alba, amarrando a jogabilidade e a narrativa de forma coesa.
No que diz respeito ao combate, Neva apresenta uma mecânica bem simples e funcional, mas que em alguns momentos deixa a desejar. Alba tem uma única espada para combater inimigos que variam de pequenos grunhidos a criaturas maiores e mais complexas. Em algumas ocasiões, a intensidade do combate traz uma sensação de tensão e urgência — especialmente quando a barra de vida de Alba depende de ataques contínuos para regenerar. No entanto, o combate também pode se tornar um tanto repetitivo, exigindo apenas combinações simples de ataques, o que pode cansar após um tempo.
Os inimigos são projetados de forma interessante e, em alguns casos, inspirados por figuras da cultura pop. Mas é bom dizer que as vezes parece que o sistema de precisão do jogo falha e apesar de achar que você fez tudo certinho, seja atacar ou defender, você é atingido pelo inimigo por exemplo, o que causa uma certa frustração.
Se há algo em que Neva realmente brilha, é na direção de arte. Como um verdadeiro banquete visual, o jogo exibe uma paleta de cores ousada e variada, com cada estação trazendo uma tonalidade própria, que são usados não apenas para embelezar, mas para enfatizar as emoções da narrativa.
A transição entre as estações também é funciona, com o colorido vibrante da primavera dando lugar ao desbotamento do inverno, uma mudança visual que acompanha a própria trajetória de Alba e Neva. Um dos problemas, se é que isso seja um, em vários momentos, o cenário se torna um espetáculo que encanta tanto os olhos quanto o coração, e essa estética é tão marcante que chega a ofuscar certos momentos da narrativa.
A trilha sonora de Neva é grandiosa. Em vários momentos, a música atinge um ápice emocional que parece querer extrair do jogador uma resposta sentimental muito grande. Se, por um lado, esse estilo funciona bem nas cenas de ação ou nos momentos mais sombrios, por outro, ele se torna cansativo quando usado repetidamente. Dá para perceber que os sons de fundo, muitas vezes, acaba rivalizando com as cenas que deveria apenas complementar.
No entanto, a dublagem, ou a falta de uma, funciona a favor do jogo. Em vez de falas, a interação entre Alba e Neva é marcada por latidos e uivos, o que adiciona uma camada de autenticidade e evita o risco de uma performance que poderia soar forçada ou exagerada.
Os controles de Neva são simples, mas sólidos. Alba possui comandos básicos, como saltar, deslizar e atacar, que são intuitivos e fáceis de aprender. O movimento entre saltos e dashes tem uma fluidez que permite ao jogador experimentar uma certa liberdade, mas dentro dos limites do ambiente.
Ainda assim, é preciso destacar que o controle preciso é crucial para a experiência de plataforma e combate do jogo, e qualquer deslize pode resultar em uma frustração considerável, especialmente durante o combate.
Em termos de acessibilidade, Neva traz pontos positivos e negativos. Embora o jogo seja relativamente simples de controlar, não há uma grande variedade de opções para jogadores com necessidades específicas. Poderia haver mais configurações de personalização dos controles, ajuste de dificuldade ou até mesmo indicadores visuais para ajudar na resolução dos quebra-cabeças.
Para um jogo que carrega uma mensagem inclusiva, voltada para o amor e cuidado entre gerações, algumas escolhas de acessibilidade poderiam fazer mais para garantir que esse sentimento pudesse ser experimentado por um público mais amplo.
Mas é bom deixar claro que minha esposa, que tem deficiência, conseguiu jogar e se sentiu até bem confortável com os controles.
Neva é, sem dúvida, uma experiência que cativa o jogador visualmente e, em certos momentos, emocionalmente. Contudo, a repetição de temas e mecânicas, por vezes, o torna excessivamente contemplativo, onde a narrativa e o impacto emocional parecem competir com a estética. O uso constante de referências contemporâneas e uma trilha que busca o clímax sentimental em cada momento importante podem dar ao jogador a sensação de que Neva foca mais em ser bonito e emocional do que em explorar seus temas a fundo.
Porém, em certo momento do jogo, o game consegue trazer um toque de autenticidade e vulnerabilidade, fazendo com que o ciclo de vida e cuidado mencionado anteriormente seja verdadeiramente sentido pelo jogador, e não apenas mostrado.
No geral, Neva é um jogo que consegue explorar a beleza e as nuances da paternidade/maternidade de uma forma visualmente impressionante e emocionalmente impactante. Com apenas cinco ou 6 horas de duração (dependendo do ritmo de cada jogador), o título se preocupa em não estender desnecessariamente a experiência, mas talvez peque por não explorar mais a fundo alguns dos conceitos que ele mesmo levanta.
Para quem busca uma experiência rápida e visualmente deslumbrante, Neva é uma excelente escolha. Entretanto, para aqueles que procuram um jogo que mergulhe mais profundamente em seus temas e ofereça uma experiência de jogabilidade e narrativa mais robusta, talvez fiquem com a sensação de que Neva poderia ter ido mais além.
Tenha certeza de que Neva se destaca por suas referências pessoais e universais, mas o resultado final, em sua simplicidade, traz um dos melhores jogos deste ano.